Bem longe daqui, lá nos confins mais longínquos da terra, mesmo ao lado de onde nasce o sol, havia uma ilha. Para se lá chegar, só de bote. O velho barqueiro passava dias recostado à sombra do velho plátano que já lhe conhecia bem as voltas e as linhas. Não transportava por moedas. Até porque não havia quem lá quisesse ir - eu bem tive vontade, mas nunca fui- a não ser Elva.
Elva era uma rapariga simples, bonita, mas de uma estranha forma de vida - isto diziam uns e pensavam outros. Todos os dias, antes do nascer do sol, caminhava até ao grande plátano e embarcava em direcção àquela ilha.
"- Bons dias menina!" - dizia-lhe todas as manhãs o barqueiro - "o destino é o mesmo, não é não?" - terminava ele perguntando.
"- Bom dia. Sim, por favor." - respondia ela como que sussurrando. E mais não dizia. Raramente se lhe ouvia a voz. Não que não tivesse com quem falar. Na margem de cá da ilha, todos os habitantes eram faladoiros... e quando tinham oportunidade ainda puxavam por ela. Elva pouco se interessava pela fala. Respondia, por vezes e apenas por educação.
Entrava no pequeno bote. O barqueiro desatava as amarras do tronco do velho plátano e, num salto só, entrava no bote. De uma margem à outra, apenas silêncio.
"- Ora cá estamos, menina! Deixe que ajudo-a a descer.... cuidado e... já está! Então até mais logo, ao sol-pôr!" - dizia-lhe o barqueiro.
Até que Elva desaparecesse por entre as árvores, o barqueiro não desarredava dali. Depois ia. Sem olhar para trás.
Entrando pela ilha adentro, Elva ia-se sentindo cheia. Feliz. E não era para menos! Rodeada de belas e sumptuosas árvores - de tantas espécies diferentes não consigo aqui enumerá-las - com copas que se assemelhavam a verdadeiros merinaques, extraordinariamente acopladas - vendo de onde eu vejo até parecia que alguém a tinha ordenado assim. Mas a verdade é que estas árvores protegiam algo sagrado que se encontrava no seu seio. E era isso que encantava Elva. Era o que a fazia levantar-se todas as manhãs. Enquanto se embrenhava pela ilha, de pezinho descalço e olhos fechados, concentrava-se até conseguir ouvir o que queria. Muito devagarinho assimilava o que ouvia e, depois, até já conseguia responder. Testemunho-vos eu que esta práctica lhe levou anos de treino!
Pequenos e grandes seres apareciam, quase que do nada, para a cumprimentar. Borboletas e libelinhas em harmonia se rodopiavam à volta de Elva, depositando-lhe coroas de flores nos cabelos. Não havia outro lugar assim - ai não havia não! por isso é que aquele ficava nos confins mais longínquos da terra! - e não havia outro lugar onde Elva quisesse partilhar o seu viver. E aquele lugar era tão especial porque Elva e os animais conseguiam comunicar-se com os pensamentos. Ouvia-os e falava-lhes... lá no pensamento dela. E todo o dia era assim... até chegar a hora do barqueiro. Um pouco antes de o sol se pôr lá estava ele impaciente à espera de Elva.
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Elva saía sempre do seio da ilha a sorrir...havia dias que o barqueiro jurava que a ouvia cantar - e eu também! Mas não. Sorria, apenas. Vinha sempre de sorriso aberto. Mas em silêncio. Nem uma palavra. Nem um "adeus Sr. Barqueiro", nada. E ia assim até casa. Cantarolando para si mesma, rodopiando pelas ruas com as suas sete saias de linho cravadas de flores.
**
Todos os dias era assim. Todos os dias os seus pensamentos voavam até uma ilha supostamente existente nos confins mais longínquos da terra, mesmo ao lado de onde nasce o sol. Em silêncio lá iam eles, os pensamentos, enquanto Elva se debruçava na janela do quarto a mirar a imensidão do mar. Tudo era desenhado na sua cabeça de rapariga meio aluada, meio certinha. Até o barqueiro do velho plátano.
E aquele silêncio alegremente reconfortante que diferenciava a ilha do resto da terra, era o que a fazia respirar, fechar a janela e deitar-se... para no dia seguinte lá voltar... com o seu pensamento.
***
Participação, alegremente silenciosa, no desafio do mês de Março da Fábrica de Letras
E aquele silêncio alegremente reconfortante que diferenciava a ilha do resto da terra, era o que a fazia respirar, fechar a janela e deitar-se... para no dia seguinte lá voltar... com o seu pensamento.
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Participação, alegremente silenciosa, no desafio do mês de Março da Fábrica de Letras
imagem daqui
Lindo! E eu podia muito bem ser a Elva, pois também tenho meu mundo, que é só meu, vive dentro da minha cabeça... magnifico texto querida... bjs
ResponderEliminarEu sei onde fica essa ilha, porque é para lá que os meus pensamentos voam todos os dias, antes de de começar a escrever. Lala querida, gosto da tua história.
ResponderEliminarBeijos
http://catirolas.blogspot.com
Bela! Pois eu não sei se podia ser a Elva... é que como referi no conto, eu bem tinha vontade de ir à ilha... mas nunca fui!!:D
ResponderEliminarObrigada , mais uma vez por teres passado por aqui!!
Beijinho**
Caty então talvez já "te tenhas encontrado" com a Elva!!
ResponderEliminarObrigada!!
Beijinho**
Absolutamente, Catarina! Eu também sei onde fica esta maravilhosa ilha. Ou pelo menos já soube, um dia. Quando passava os meus dias, sozinha, de frente para uma imensidão de planícies douradas e inspiradoras, que me convidavam a ingressar nelas e a viver as histórias mais mirabolantes e incríveis! E vivi tantas!
ResponderEliminarAmei de paixão este texto, Lala. Já fui Elva e ainda sou, só que hoje as histórias são outras, mas o fascínio, esse, é sempre o mesmo.
Beijinhos :)
Acho que todos temas uma "ilha" assim, dentro da nossa mente. O modo de a alcançar é que talvez seja diferente, pois muitas vezes não temos um "barqueiro" paciente e pronto que nos leve lá e nos deixe fantasiar à vontade, sempre em silêncio.
ResponderEliminarUma ilha assim, é aquela nos permite ir até ela refugiarmos... Linda tua participação!um beijo, tudo de bom,chica
ResponderEliminarApesar do cariz alucinogénio do texto e subsequentes comentários, prezo a capacidade imaginativa de todos... desde que saudável.
ResponderEliminarAdorei a Elva e a ilha. Acho que todos os tímidos tem um lugar assim , onde sente-se confortável e sempre quer voltar. Lindo,Lala.Eliete
ResponderEliminarLala o livro que li na infância que nunca mais esqueci foi a Fada Oriana, ao ler este post foi imediatamente esse livro que me veio à memória. Isto significa que tens aqui uma linda história para crianças que faz sonhar. Beijinhos e obrigada por este bocadinho.
ResponderEliminarHelga é tão bom quando conseguimos fantasiar assim!
ResponderEliminar*
Pinguim, pois tens razão... sem o barqueiro os pensamentos podem perder-se... no silêncio!
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Chica, é bem verdade. Obrigada!
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johnny, mas isso é porque antes de o escrever eu comi daqueles cogumelos e depois fiquei assim O_o!! Ainda assim espero que tenhas gostado!!
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Eliete, provavelmente terão. Obrigada. Volte sempre que quiser.
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Brown, acreditas que nunca li o livro?? nem esse nem o do Pricipezinho... achas normal??? São livros praticamente obrigatórios na infância... a minha filha tem, vai lendo mas eu nunca li!! Ainda bem que este pequeno conto te fez lembrar algo de bom!!
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Obrigada a todos por terem passado aqui (mais uma vez)
Beijinhos alucinados!!
TENS AQUI UMA ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS!!! MUITO BEM...PELA FOTO ELVA É UMA LINDA MENINA...
ResponderEliminarGOSTEI MUITO!
BEIJINHOS
Obrigada Pedrasnuas!É linda não é?:D
ResponderEliminarBeijinhos**
Lala
ResponderEliminarO silêncio pode ser isso mesmo, o espaço onde tu consegues entrar em contacto com o mundo natural e tu própria.
Bjs
Lala, se fecharmos os olhos os outros sentidos ficam muito mais apurados. Muito bonita a tua Elva e a Ilha Silêncio ...e do Sonho...
ResponderEliminarGostei muito deste silêncio cheio de alegria e as sete saias de linho cravadas de flores não me passaram despercebidas...
coisas de mulher
((*_*))
beijinho
Quando é que escreves uma fábula mais fraquinha para eu poder usar outra palavra que não: excelente.
ResponderEliminarMágico, como sempre!
ResponderEliminarEu também tenho uma ilha assim. :p
Aliás... eu acho que vivo numa ilha assim, e raramente venho a terra. :D
ResponderEliminarNão sou a Elva mas gostaria de o ser, e que vontade de dar o salto até à ilha.
ResponderEliminarMais uma ilha dos sonhos, colorida por mãos sensíveis que respondem de forma perfeita ao comando do que lhe vai na alma.
Real ou imaginária esta história leva-nos ao silêncio da nossa imaginação.
Quando fores à ilha da Elva, leva-me contigo.
Bjo*
Tens a certeza que ela não se chamava Eva e meteste um "L" por engano??? É que eu podia jurar que falas de mim!!! :) A imaginação não é propriamente silenciosa... só aparente sê-la para os outros! :)) Adorei o texto e obrigada por falares de mim, rrsssss (tenho a leve impressão que é sobre nós as duas... e mais bloguistas por aí!) beijoca
ResponderEliminarTeresa, enquanto imaginava esta estória, volta e meia, sorria e perdia-me na ilha de Elva. Sabe mesmo bem!!
ResponderEliminarObrigada!
Beijinhos**
Adorei o teu texto, que linda esta ilha, ficamos com vontade de a conhecer.
ResponderEliminarBjocas
Patty
MZ, as sete saias. também adorei! gosto muito do número 7... e achei que lhe ficariam bem as 7 saias! é bem verdade o que dizes... todos os outros sentidos alcançam muito mais do que a nossa visão possa alcançar. de olhos fechados vemos mais e melhor... a visão reprime-nos o sentimento!!
ResponderEliminarObrigada!
Beijinhos**
Abrenúncio... pá, Abrenúncio eu só 'conheço' um... mesmo virtualmente! que vive em 'El Matador'... é que se tu és esse Abrenúncio... atrevo-me a perguntar: como saíste de lá? :D
ResponderEliminar-
Bem, à parte disso tenho a dizer-te que a culpa é vossa que me lêem e comentam com carinho!
Obrigada!!
Beijinhos**
Ginger, e eu aqui a pensar que eras d'outro planeta... O_o
ResponderEliminarObrigada!
Beijinhos**
Melga, se fizermos como diz a MZ, se fecharmos os olhos, acho que todos conseguimos ter um pouco de 'Elva' dentro de nós! Digo-te já que eu fico com o 'pezinho descalço' dela (adoro andar descalça)!! e acho que a MZ vai querer as 7 saias (isso no te faria diferença:D)!
ResponderEliminarMas se eu for à Ilha do Silêncio, descansa que levarei um pedacinho de cada um de vocês comigo!! Depois volto para contar!!!
Obrigada!
Beijinhos**
nota: tens muita razão no que dizes... aquilo que me vai na alma salta-me pela ponta dos dedos!!
Eva, :D! não... tenho pena, mas não me enganei! Elva foi um nome escolhido 'a dedo' para esta estória! Elva é um nome de origem Teutónica (ou germânica) do leste do império romano (hoje em dia, a Dinamarca) e significa Duende ou Gnomo.
ResponderEliminarNo entanto, como já disse ali ao Melga, acho que fechando os olhos todos temos um bocadinho de Elva dentro de nós! Sim, nesse caso podes bem ser tu a E(l)va!!
Obrigada!
Beijinhos**
Patty, obrigada! Tens vontade de a conhecer, mas se tu quiseres também tens uma destas!! just close your eyes!
ResponderEliminarBeijinhos**
Lala, eu quero as 7 saias... quero os sonhos,
ResponderEliminarquero a alegria.
Olha Lala, achas que eu ainda posso participar daquele desafio do "manuscrito"?
diz alguma coisa...
bjs
:D tudo isso é magia... e sabe bem!!
ResponderEliminarAcho que sim. mas tens de avisar o Lobinho para que ele o coloque no blog.
Bjinhos
Muito doce Lala!
ResponderEliminarEu tenho um lugar assim, mas só lá vou depois da meia noite, quando os gaiatos estão já ferrados a dormir e eu penso que estou no céu!
~Bêjos
Adorei Lala! Fez-me sonhar! kisses
ResponderEliminarEu vou lá ao Lobinho, obrigada.
ResponderEliminarxi
Olá Lala
ResponderEliminarÉ bom descobrirmos novos leitores e amigos virtuais que partilham os mesmos gostos.
Adorei a história de Elva e desse silêncio tão povoado de outras vozes.
também vou seguir o teu blogue.
Bom fim-de-semana.
Viva
ResponderEliminartambém eu gostava de saber o caminho para a tua ilha....
Cumps.
Olá, Lala.
ResponderEliminarCaminhei com a menina de estranha forma de vida. Tirei os sapatos e, como ela, fui de pé descalço para não quebrar o silêncio da ilha de sonho.
A meio do caminho, porém, Elva e eu falámos um com o outro, em pensamento, como ela faz com os animaizinhos. Tanto me contou ela dos seus caminhares...
Não, não digo, foram conversas de segredo entre os dois!
A voz só lha ouvi, já o barqueiro nos tinha trazido de volta. Falou-me Elva:
- Olha, Carlos, diz à Lala para me voltar a pôr numa destas histórias que ela conta tão bem, como ninguém!
Pronto! Está dado o recado.
BJS
-
Obrigada Tulipa!
ResponderEliminarBjinhos**
Natália, muito obrigada por ter vindo aqui visitar-me. Bem sei que ainda tenho muito que aperfeiçoar no "desenho" dos meus contos. Mas devagarinho lá chegarei. Parece que até ao momento os "meus amigos vituais" estão a gostar! Já é um grande incentivo para continuar a escrever mais e mais!
ResponderEliminarObrigada!
Bjinho**
Lunatik, obrigada pela sua visita... para saber o caminho para a ilha talvez baste fazer como Elva fazia... feche os olhos e concentre-se.
ResponderEliminar**
Meu caro Carlos,
ResponderEliminarÉ para mim motivo de grande orgulho receber a sua visita e um elogio deste calibre. Sinto-me lisonjeada e até mesmo um pouco nervosa... Agora terei que me esforçar muito mais para poder continuar a corresponder-vos.
**
O Carlos deve mesmo ser uma pessoa especial, para ela ter permitido a sua companhia na Ilha do Silêncio. E terá sido con certeza deveras apreciada! Com Elva nunca consegui falar. Nem em pensamento, nem de outra forma qualquer. Nem sequer dela me aproximava... Ficava apenas assim... a mirá-la, da mesma forma que ela mirava o mar... Imaginava eu, na dispersão dos meus pensamentos, o quão feliz ela seria... no, entanto, jamais ousei aproximar-me...
Imagino que ela me tenha sentido a presença... talvez não quisesse ela incomodar-me.
**
O recado de Elva vou tê-lo em boa consideração. Por ela e por si, caro Carlos.
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Muito obrigada!
Bjinhos**
Lindo! O silêncio como espaço de sonho e evasão...
ResponderEliminarLala, todos nós temos uma ilha como essa para onde evadir de vez em quando. Pode não ser tão bela e calma coma a de Elva, mas feita à medida de cada um de nós... e directamente proporcional à alcoolemia (brincadeira!).
ResponderEliminarBeijo.
Luís Bento, obrigada!
ResponderEliminarCatsone, e quem diz alcoolemia, diz cogumelos... daqueles :DDD!
ResponderEliminarÉ a imaginação... disso, o ser humano não pode escapar!!
Obrigada!
Beijinho**
Li e gostei imenso. Escreves com muito amor e imaginação, é mesmo verdade que partilhas-te aqueles momentos com Elva? Parabéns uma participação que nos deixa calados no bom sentido.
ResponderEliminarEu tambem tenho uma ilha assim, é rectangular em tons de azul, silênciosa e tal como a Mel de Vespas, lá fico até o sol nascer.
ResponderEliminarObrigada pelo teu comentário inspirador.
Olga, partilhei com a Elva, mas de longe... não queria distraí-la nem desviá-la do seu silêncio!! No entanto, tenho para mim que Elva sabia que eu estava com ela:D
ResponderEliminarObrigad! Beijinho**
anA, todos temos. Alguns não se dão conta dela por terem a vida demasiado "preenchida", e por isso, não sabem apreciar o silêncio.
ResponderEliminarObrigada eu pela imagem que lá colocaste... sem aquela imagem o meu comentário não faria sentido!
Obrigada e espero que voltes, será sempre bem vinda!
Beijinho**